Ruínas do Sanatório
As Ruínas do Sanatório se encontram em Delfim Moreira-MG, no alto da Serra da Mantiqueira. O complexo foi inaugurado em 1908 e atendeu pacientes militares acometidos de tuberculose até 1915. Um lugar de história e natureza fascinantes.
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Conheça a história.
Fizemos uma ampla pesquisa nos arquivos dos jornais da época e recontamos aqui esta história cheia de curiosidades.

Barão de Bocaina
As terras para construção do Sanatório foram doadas pelo Barão de Bocaina, o Sr. Francisco de Paula Vicente de Azevedo. Influente membro da elite brasileira, o barão possuía vasta extensão de terras na Serra da Mantiqueira. Na época, uma imensa área de montanha próxima ao Vale do Paraíba era conhecida como Campos do Jordão; que vai desde onde se assentou a cidade de mesmo nome até onde hoje se localiza o município de Delfim Moreira. Esta parte norte dos Campos do Jordão fica em terras do estado de Minas Gerais e eram em sua maior parte de propriedade do Barão de Bocaina. Foi aqui que ele fundou a primeira estância climática do país e onde assentou sua fazenda, famosa pelo bem sucedido cultivo de frutas de clima temperado, tais como pera, morango e marmelo.
1893 - O jornal "Correio Paulistano" noticia a doação de terras pelo Barão de Bocaina para a construção de um hospital militar de convalescentes. A descrição do terreno exalta as belezas naturais do lugar: "Neste sítio donde descortina larguissimo horisonte, o terreno, um tanto accidentado, é secco, o ar ameno e a aguada facil e abandante."
1893 - No mesmo ano o jornal "Correio Paulistano" faz um relato detalhado de toda a região norte dos Campos do Jordão. A viagem se inicia na cidade de Lorena, no Vale do Paraíba. Na subida da serra de Piquete o colunista relata: "Bellissimo panorama o que se descortina do alto destes monte, quasi a topetar com as nuvens ! A encosta que acabamos de vencer rasga-se-nos aos pés em abysmo profundo de onde apenas emerge o cimo do mais alto alvoredo."
1893 - O relato de viagem do Correio Paulistano continua noutra edição do jornal, já nas terras da fazenda do barão: "Os fruotos da Europa ahi vêm como se foram nativos: a maça, a pera, os morangos rasteiros, os marmelos, a amendoa, todos os productos horticolos ahi tem um solo dos mais adequados ao seu desenvolvimento."
Muito interessante como o colunista idealizava uma cidade de férias que ali poderia se instalar, com casas espalhadas entre a vegetação. Interessante também notar que, na época, era costume que a montanha fosse um refúgio de verão e não de inverno: "Uma estação de verão ahi teria o seu melhor assento. As ruas traçadas em bellos e suaves contornos pela encosta dos montes, as casas de campo espalhadas sem essa preocupação burgueza das prosaicas symetrias. (...) Tudo quasi ao natural e sem outra arte que não a de não ter arte nenhuma, completar e não corrigir."
1901 - Em nota, o jornal "O Paiz" fala de visita ao Ministro da Guerra do encarregado dos estudos sobre a viabilidade da construção do sanatório para tuberculosos.
1902 - Na coluna de opinião do jornal "O Paiz" o colunista critica a suposta construção de uma estrada de ferro desde Itajubá da Soledade (atual Delfim Moreira) até o Estado de São Paulo. Esta estrada nunca foi construída e talvez nunca houve um plano para tal, já que seria um empreendimento de grande complexidade. O acesso continuou a ser feito a cavalo, mulas ou carros de boi.
O colunista continua a crítica: "A idéa da fundação de um sanatório em um zona continuamente açoitada de ventos, humida, fria, cuja reputação de salubridade consta apenas do testemunho bairrista; local suspeito e caipora, onde, de memoria de ninguem, jamais curou-se um tisico ou se aguentou elle um mez, está pedindo piadas de Don Nuno. Quim !"
1902 - O jornal "O Paiz" relata visita do Barão de Bocaina ao Ministro da Guerra no Rio de Janeiro, então capital do país. O ministro aprova o projeto do sanatório. Nesta nota o jornal diz ainda: "A nova enfermaria terá capacidade para 120 leitos, sendo 20 para officiaes e 100 para praças."
1904 - os jornais "Gazeta de Notícias" e "O Paiz" relatam a primeira visita ministerial ao terreno que será o Sanatório.
O repórter do "O Paiz" diz: "Domingo, pela manhã, os viajantes deixaram a residencia do barão da Bocaina e foram até Boa Esperança, onde existem algumas cachoeiras, que o Sr. ministro da guerra pretende aproveitar para produzir a energia electrica necessaria ao funcionamento de uma fabrica de polvora."
Já a "Gazeta de Notícias" menciona a mesma visita à cachoeira: "O ministro da guerra jantou em São Francisco, na casa do barão da Bocaina, trocando-se ao jantar muitas saudações. Depois seguiu para a Cachoeira Esperança. Nada ficou resolvido sobre a fabrica de polvora. Existe na Cachoeira força dagua de 1.400 cavallos."
1908 - Em janeiro deste ano o Sanatório está prestes a ser inaugurado. Em nota, a "Gazeta de Notícias" chama atenção à solenidade: "Realisa-se depois de amanhã a inauguração dos edificios do Sanatório Militar, em Lavrinhas, com a assistencia do Sr. ministro da guerra e altas autoridades do exercito."
1908 - Representantes de todos os jornais da capital (Rio de Janeiro) estavam na inauguração do Sanatório Militar. O jornal "Gazeta de Noticias" transcreve a ata de inauguração: "Aos dez dias do mez de janeiro de mil novecentos e oito, em terreno da ex-fazenda Lavrinhas, contravertente da serra da Mantiqueira, territorio mineiro, com a presença de S. Ex. o Sr. ministro da guerra marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (...) e outras pessoas gradas, procedeu-se ao acto solemne da inauguração do Sanatório Militar."
A autoridade máxima presente na inauguração, o Sr. marechal Hermes da Fonseca, discursou: "Tenho a satisfação de assistir á inauguração deste edificio, cuja construcção foi confiada á compentencia dos nossos engenheiros militares. Todos os que aqui estão podem verificar que nada nelle foi esquecido. Tudo o que significa conforto e bem estar para aquelles que soffrem foi previsto e disposto convenientemente. Levanto a minha taça para brindar a engenharia militar do meu Brasil."
As obras começaram em 12 de março de 1903, levando 5 anos para serem concluídas. Eram cinco edifícios espaçosos comunicando-se por meio de passarelas abrigadas, totalizando um complexo de 1.600 m². Foram construídas duas enfermarias, cada uma com capacidade para 21 doentes, os demais prédios eram destinados à administração, cozinha e laboratório.
Após 1908 - Por alguns anos o Sanatório teve uma rotina movimentada. Além dos médicos, enfermeiros e trabalhadores, havia a frequente visitação de familiares dos doentes. Também foi um lugar de efervescência cultural. Esta rotina é relembrada pelo avô do Sr. Wanderley Gomes Sardinha, membro da Academia Lorenense de Letras. Na época seu avô trabalhava para o exército no transporte de cargas. Um episódio memorável foi o transporte de um piano em seu carro de boi, veja:
"Às 8 horas deixou a estação com destino ao Sanatório Militar. Em pouco tempo, dezenas de crianças juntaram-se ao lado do carro de boi, para acompanhar o cortejo que se formara. Quando se soube que a carga transportada era um piano, a curiosidade de todos aumentou. Meu pai era um daqueles pequenos e ele me disse que um acontecimento, como aquele, era tão raro que não poderia ser perdido. (...) Aquele instrumento musical fez a alegria do hospital nos 4 anos em que ele funcionou. Ficava no salão de visitas e, após o expediente, sempre havia alguém disposto a tocá-lo. Como a quase totalidade dos médicos, enfermeiros, enfermeiras e funcionários da administração residia no Sanatório, o local de reunião, após o jantar, era junto ao piano. Inúmeros cantores que se apresentaram no hospital tiveram acompanhamento pianística. Mário Pinheiro, o maior cantor do Brasil, no começo do século passado, Roque Ricciardi, o seresteiro da Pauliceia, Eduardo Neves e tantos outros. Nas noites de 6ª feira apresentavam-se no Sanatório os artistas da Vila Vieira do Piquete, Francisco Máximo, Gracioso Maziero e Bonfiglio de Oliveira. A plateia era sempre composta por médicos, enfermeiros, enfermeiras e pessoal da administração, uma vez que os pacientes, quase todos idosos preferiam os conjuntos de violeiros e sanfoneiros que vinham de Itajubá e cidades vizinhas."
FONTE: Jornal Nince, 2013
1912 - O ministro da guerra da época determina que permaneçam no Sanatório somente doentes de tuberculose. Pacientes "beribéricos" e com outras doenças deveriam ser transferidos para o Hospital Central do Exército, no Rio de Janeiro. Segundo o dicionário Priberam de língua portuguesa, beribéri significa: "Doença devida à carência da vitamina B1, peculiar a algumas regiões tropicais e caracterizada por perturbações digestivas, edemas e perturbações nervosas."
Porém, fica um mistério sobre este termo, que carece de pesquisa sobre o que, na época, entendia-se como beribéri. Possivelmente eram diagnosticados assim idosos acometidos com doenças crônicas diversas.
1912 - As dificuldades começam a surgir na enfermaria militar do alto da Mantiqueira. O problema foi o gradual abandono. A "Gazeta de Noticias" relata em tom de crítica o abandono e o mal uso do dinheiro público: "Foi grande erro a construcção de um Sanatorio naquellas alturas, muito distante de um centro já servido por vias-ferreas e o que é mais grave e lamentavel, num clima intensamente frio." Continua a crítica: "2.000 contos postos fora. O Sanatorio hoje é uma solidão. No abandono jazem os seus pavilhões, no meio daquelle ermo, onde o matto medra assustadoramente..." E completa: "Não exageramos. Dizemos a verdade."
1913 - Neste ano o abandono começa a ser admitido pelo governo. O Sanatório tem suas atividades temporariamente suspensas, a adminstração do exército alega falta de verba.
1915 - Não se sabe quanto tempo durou a suspensão. Somente em fevereiro de 1915 temos tanto a certeza de seu funcionamento quanto a de que os pacientes já não são somente tuberculosos, pois são transferidos pacientes do Rio de Janeiro com beribéri, como podemos ler nesta nota do jornal "A Noite": "Epidemia de beri-beri no Collegio Militar. (...) Transferir para o Sanatorio Militar dos Campos do Jordão os alumnos cujo estado de saude exigir tal providencia, com a urgencia que não permitta aguardar os tramites habituaes."
1915 - Em agosto deste ano o chefe do Hospital Central do Exército faz visita ao Sanatório para avaliar seu estado de conservação. Ele relata à "Gazeta de Notícias": "Encontrei-o nas peores condições possiveis, apesar de estar situado em magnifico local, salubre, agradável." Ele completa: "O transporte de doentes faz-se com difficuldade. E os doentes chegam em cima quasi a morrer, cançados."
O repórter pergunta: " — É certo que se vai fechar o Sanatório?", em resposta: " — É. Não ha remedio."
1916 - "O sanatorio de Lavrinhas vae ser demolido?", é a pergunta que se faz o repórter do jornal "A Lanterna" em novembro daquele ano.
Ele completa: "O Sanatorio estava fadado ao abandono. Hoje, delle só resta o predio... Todo o material desceu, até os apparelhos sanitarios, como W.C., lavatorios, banheiros, etc."
Interessante notar como o jornalista afirma que o clima da região seria insalubre para os tuberculosos: "Os doentes chegavam ao alto semi-mortos. Os tuberculosos não supportavam o clima que era humido e a ventania constante. Peoravam. Só os beribericos voltavam bons."
Então, o jornalista profetiza: "O predio, segundo ouvimos, vae ser entregue á Directoria do Patrimonio Nacional, o que quer dizer: vão condemnal-o á ruina."
1916 - Por fim, em dezembro do mesmo ano, o sr. ministro da Guerra arremata a condenação do Sanatório Militar de Lavrinhas às ruínas e entrega as instalações ao Patrimônio Nacional.
Assim se encerra a história do prédio que um dia foi o famoso Sanatório Militar. Um lugar intrigante, onde até hoje o isolamento se faz presente e o faz desconhecido. Um lugar que merece o cuidado das autoridades deste século, a conservação de sua história e um recomeço através do ecoturismo.
Rayllei Bandeira
Jornalista - Delfim Moreira, Minas Gerais

Leia mais:
Nosso blog contando um resumo desta história e outras curiosidades: https://elperegrino.com.br/2021/02/25/ruinas/


Em 1900.
Turismo de verão na Serra da Mantiqueira.
Veja este curioso anúncio nos classificados da Gazeta de Notícias, periódico do Rio de Janeiro.


Veja também:
Decreto nº 4.663, de 12 de Novembro de 1902 - Aprova o regulamento para o Sanatório Militar em Campos do Jordão [atual bairro São Francisco no município de Delfim Moreira-MG].
PDF 50 MB Fonte: Biblioteca Nacional
